AS PALAVRAS
O meu amigo está aí não tarda nada. Eu usaria outras palavras para anunciar a sua visita, porque esta expressão é deselegante e até é feia, mas tenho de a usar. A palavra única de que gostaria foi contaminada naquele caldo fascista que é o discurso de quem dela se apropriou. Não a vou usar porque não admito que ele cresça à custa daquilo que eu escreva.
Como posso pronunciar aquele nome, sabendo que se o fizesse estaria a fazer crescer os embusteiros, os saudosos dos idos tempos do medo, os que adoram o reino dos esbirros, os que querem de volta os direitos desiguais entre homens e mulheres, o analfabetismo dos pobres, as saídas a salto do país em fugas à tortura e à prisão, os corações das famílias partidos porque os filhos foram para a guerra e de lá não voltaram. Porque ele gosta de tudo isto e eu não. Não contará comigo para se promover.
É verdade que ele soube escolher a palavra para se identificar. Uma palavra pequena que soa bem. Para meu desconsolo os sinónimos não estão à sua altura. É certo que no conjunto pouco interessante existe uma outra palavra boazinha. Mais do que boazinha ela é mesmo uma bonita palavra. Ele escolheu-a primeiro, mas essa já estava tomada. Não lhe permitiram o uso. Mesmo assim, coitada da palavrinha, ele estragou-a. Contaminou-a. Não a uso, porque se a pronuncio é como se dele falasse.
Que irritação. Minhas ricas e belas palavras portuguesas. Já tenho saudades
Imagem: DR
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