Discursa nos termos da Constituição?

AS PALAVRAS

Ele gritou que o Governo não ouviu os queixumes dos empresários da restauração, que ontem se manifestaram em frente à AR. O deputado acrescentou: “… mas eles ali estiveram de mãos bem estendidas …”

Não tenho querido mencionar o seu nome. Não lhe quero dar o meu palco, mas isso é o que não lhe falta. Ele já ajuda a colocar partidos no poder.

Sim, ele é deputado da Nação. Alguns cidadãos deram-lhe o seu voto. O partido onde milita foi legalizado pelo Tribunal Constitucional (TC).

Ele faz intervenções inflamadas na Assembleia da República.

Devemos ir ouvindo com atenção o que ele vai dizendo por aqui e por ali e também na Assembleia da República (AR). O TC, que lhe deu o sim, deve ter muitos ouvidos atentos.

Hoje, durante a votação do Orçamento do Estado para 2021, ele disse algo que me pôs, mais uma vez, em estado de alerta. Não foi concreto, mas insinuou como ama o extremismo que muitos de nós não queremos de volta. Ele gritou que o Governo não ouviu os queixumes dos empresários da restauração, que ontem se manifestaram em frente à AR. O deputado acrescentou: “… mas eles ali estiveram de mãos bem estendidas ...”. Ele não explicou se as mãos estavam viradas para cima ou para baixo, mas eu desconfio do lado que ele as queria ver.

Espero que na próxima oportunidade, quando o palco lhe for aberto outra vez, que haja algum jornalista que lhe peça para ele explicar melhor aquela frase sobre as mãos esticadas.

Eu conto – Uma história fantástica de Eduardo Galeano

Eduardo Galeano, escritor uruguaio, escreveu, no seu livro “As Palavras Andantes”, histórias fantásticas que tenho estado a ler. Vou contar uma que me fez rir, cintando de cor, com a devida vénia e agradecendo ao autor que já não está entre nós. 

Uma mulher, sentada à beira de um rio, lia uma história. Era uma vez…

Um homem muito rico, dono de tudo o que havia nas redondezas, vivia triste porque não tinha herdeiros. A mulher rezava mil orações e acendia mil velas todos os dias, mas não conseguia a graça de ter um filho.

Ela enresinava a vida do seu deus com os pedidos constantes para que fizesse dela mãe. O deus andava aborrecido e dizia: “Porque insiste ela em pedir uma coisa que eu não quero dar-lhe?”.  A dada altura, cansado, fez-lhe a vontade. Ela ficou grávida, mas nasceu um ser com cara de gente e corpo de lagarto. Mesmo assim, os pais ficaram felizes. Como a fortuna era vasta deram-lhe tudo. Conforto e educação não lhe faltaram.

Passaram os anos e chegou o dia em que o filho disse aos pais que queria uma mulher, que queria casar. Foi escolhida a noiva. Fizeram-se grandes festejos para o povo. Toda a gente aplaudiu. O banquete privado foi memorável. Chegou a noite. Os noivos recolheram aos seus aposentos privados e, nessa noite, o noivo papou literalmente a noiva. No dia seguinte sobrava ele. Correu a informação de que tinha tido o azar de ficar viúvo.

Não houve quem se preocupasse com o desaparecimento da mulher. A história repetiu-se muitas vezes. Os casamentos sucederam-se e os banquetes foram em igual número. O povo vivia encantado. As noivas não faltaram e todas tiveram a mesma pouca sorte. Foram comidas.

Um dia, estando viúvo, ele resolve ir apanhar sol à beira do rio na esperança de encontrar aquela mulher que lia histórias e lá estava ela entregue à leitura. Trocaram algumas palavras e ele regressou a casa como que encantado. Só pensava nela. A noite pareceu-lhe não ter fim. Queria voltar ao rio. Estava perdido de amores quase à primeira vista.

Amanheceu e ele arrastou-se até ao sítio onde a deveria encontrar, mas ela não estava lá. A mulher não tinha voltado naquele dia. Nos muitos dias seguintes ele foi fazendo o percurso, mas em vão. Ela tinha desaparecido. Foi entristecendo. Deixou de comer e foi ficando todos os dias um pouco mais fraco. Até que deixou de sair do quarto. Já não tinha forças para se arrastar. Caiu numa depressão. Estava às portas da morte. Os pais, então, pagaram a quem a procurasse, mas todas as diligências foram em vão.

Um dia, quando ele já estava muito débil, teve um pressentimento. Voltou a muito custo ao rio e lá estava ela sentada à sua espera. Abraçaram-se e ele disse-lhe que quase tinha morrido por ela. Pediu-lhe que casasse com ele e ela aceitou.

Organizou-se o casamento. O povo teve mais uma festa de arromba. O palácio rejubilou. Quando o banquete estava no auge os noivos recolheram-se.

Ela muito terna encheu o lagarto de carícias. Massajou-lhe as costas e ele ia adormecendo. Aos poucos ela foi descascando as suas grossas escamas e devagarinho foi-o comendo, sem que ele se apercebesse, até nada restar. 

Ela dormia calmamente quando amanheceu. 

Moral da história? 

Que irritação! Minhas ricas e belas palavras portuguesas

AS PALAVRAS

O meu amigo está aí não tarda nada. Eu usaria outras palavras para anunciar a sua visita, porque esta expressão é deselegante e até é feia, mas tenho de a usar. A palavra única de que gostaria foi contaminada naquele caldo fascista que é o discurso de quem dela se apropriou. Não a vou usar porque não admito que ele cresça à custa daquilo que eu escreva.

Como posso pronunciar aquele nome, sabendo que se o fizesse estaria a fazer crescer os embusteiros, os saudosos dos idos tempos do medo, os que adoram o reino dos esbirros, os que querem de volta os direitos desiguais entre homens e mulheres, o analfabetismo dos pobres, as saídas a salto do país em fugas à tortura e à prisão, os corações das famílias partidos porque os filhos foram para a guerra e de lá não voltaram. Porque ele gosta de tudo isto e eu não. Não contará comigo para se promover.

É verdade que ele soube escolher a palavra para se identificar. Uma palavra pequena que soa bem. Para meu desconsolo os sinónimos não estão à sua altura. É certo que no conjunto pouco interessante existe uma outra palavra boazinha. Mais do que boazinha ela é mesmo uma bonita palavra. Ele escolheu-a primeiro, mas essa já estava tomada. Não lhe permitiram o uso. Mesmo assim, coitada da palavrinha, ele estragou-a. Contaminou-a. Não a uso, porque se a pronuncio é como se dele falasse.

Que irritação. Minhas ricas e belas palavras portuguesas. Já tenho saudades 

Usufruir de Lisboa é “um contentamento descontente”

AS PALAVRAS

Estamos sozinhos nesta nossa cidade. Nós ganhamos os outros perdem. 

Apetece dizer que Lisboa é nossa,  embora saiba que a frase fixa à superfície uma memória recôndita. Lembra uma lengalenga que alguns gostavam de repetir nos tempos idos. Não quero conotações dessas. Só quero que saibam que gosto de me sentir com espaço e entre portugueses. 

As políticas dos políticos inábeis tornaram-nos tão dependentes das gentes que vêm de fora que passear pelas ruas de Lisboa sem encontrões “é um contentamento desconte”. Mesmo assim, aproveitemos agora esta largueza. Mandemos a tristeza embora. Levantemos a cabeça e digamos aos de dentro que sejam inteligentes e honestos nos debates e nas notícias que vão espalhando pelo mundo.

Hoje a especulação e o empolamento dos acontecimentos são supérfluos e destrutivos. Estão desvalorizados os ganhos que muitos julgam obter em desfavor de uns e em favor de outros. Façam assim como quem diz “compre português “. Pelo menos por uma vez, vamos todos vestir a camisola de Portugal.

Hoje a noticia é assim:

Portugal tem 10,28 milhões de habitantes (2019 –Wikipédia). De entre eles, 47051 testaram positivo para o SarsCov2. Dos que testaram positivo, 15501 são infetados ativos, representando 0,16 em cada conjunto de 100000 pessoas. 31550 das que estiveram infetadas já recuperaram. (Fonte dos dados estatísticos Covid-19: Direção Geral da Saúde).

Os homens e as mulheres representados no Parlamento de Portugal. Qual paridade…

AS PALAVRAS EM PORTUGAL

Esta coisa da paridade entre homens e mulheres é um absurdo. Eu posso dizer isto, pois pertenço ao grupo que acredita que as melhores competências devem ser colocadas em lugares compatíveis e ponto final. Mas sei que quem tem o poder de decidir avalia outras nuances, como quem engravida, quem amamenta, quem leva os filhos ao médico e fica em casa quando eles estão doentes (mas aqui podem deixar-se enganar…).

Esta introdução serve para se ver que não me interessa se no Parlamento estão homens ou mulheres. Quero, sim, saber se representam capazmente as pessoas que os elegeram, mas os partidos políticos fizeram um grande alarido quando apresentaram as listas pelos respetivos círculos eleitorais e até apresentaram o trunfo da paridade entre homens e mulheres. Deixaram-me a pensar se assim seria.

Até ouvi uma declaração um pouco brejeira ao líder do PSD sobre o assunto. Dizia ele, cito de cor, as nossas listas têm tantos homens como mulheres e não é aquela coisa de homens por cima e mulheres por baixo, rematou com uma risada. Sim essa que nós todos já ouvimos.

Alguma coisa falhou. Contados os votos há mais 10% de lugares atribuídos a homens. Por lapso devem ter colocado, em algumas listas de alguns círculos eleitorais, os homens em primeiro lugar e, depois, só elegeram um… Não tiveram culpa… Vejam os gráficos que apresento abaixo.

 

 

 

 

CASSADA? SIM, CASSADA!

AS PALAVRAS

 

De vez em quando, de forma casual, à medida que forem surgindo, vou descodificar palavras. Palavras de que eu gosto, sem qualquer pretensão, sem querer ensinar português seja a quem for. Vou escrever sobre palavras, sobre palavrinhas. Fortes ou simples, bonitas ou feias, tanto faz, desde que eu goste delas. Melhor, ainda, vou pedir às palavras que falem sobre elas.

 

CASSADA? Sim, hoje sou eu que me apresento.

Acham que me estou a armar em inovadora? Pensam que sou uma novata a querer juntar-se às suas parceiras palavras? Não, não é isso. Sou mesma antiga. Ando por aí CASSADA, caçada nas bocas do mundo há muito tempo. Os falantes do português, quando me utilizam para dizer que tornaram nulos alguns documentos, como cartas de condução, desgostam-me.

Ora vejam como me usam. Dizem que CASSARAM as cartas de condução, porque os condutores de veículos cometeram infrações graves. Quem, assim, gostará de mim? Mas é verdade eu sirvo para isto mesmo, mas, desta forma, sou uma palavra mal-amada. Usam-me quando noticiam as estatísticas das infrações nas estradas. Muitas vezes dizem: “devido ao consumo excessivo de álcool, detetado enquanto conduziam, foram CASSADAS muitas cartas de condução”.

E aqueles seres humanos, que a muito custo chegam a um destino de eleição e, relutantemente, lhes entregam uns documentos para que se sintam seguros, depois, por motivos por vezes fúteis, me usam e CASSAM-lhes os papéis. Como eles me devem odiar!

E. ainda, uma confusão. Quando me colocam assim, CASSAR, há quem se ria e diga: “CASSAR, assim? Parece-me que estão enganados nesta redação, não devia escrever, assim, caçar?”

Então, digo-vos, caçar? Ah! Sim, essa é outra palavra. Caçar, assim escrita, significa perseguir animais para os apanhar mortos ou vivos. Também se pode empregar, por exemplo, dizendo caçar um emprego. Também não lhe invejo o significado!

CASSADA? SIM, CASSADA

 

Ultrapassado pela direita e pela esquerda

AS PALAVRAS

A crise aí está, mas é curtinha como a todos convém. O senhor ministro, que arrecada e distribui, disse que a esquerda se desviou e se deixou ultrapassar pela direita.

O senhor ministro não tem razão. Não foram os da esquerda que se deixaram ultrapassar pela direita, foi o aliado deles que se meteu na faixa do centro e foi ultrapassado pela direita e pela esquerda. Não sabia que é proibido circular pelo meio com a direita desimpedida? É verdade que o trânsito fluía pelos dois lados, mas a maior velocidade. Ele manteve-se teimosamente ao centro. Ouviu buzinadelas sem fim. Porque não mudou de faixa de rodagem? Esperava não ser sancionado? Contava com um julgamento favorável? Agora faz manobras, com a jornada quase no fim. Ainda se arrisca a ser ultrapassado, novamente, pela direita e pela esquerda.

 

Mário Centeno
Imagem: Rafael Marchante (Reuters)

A bola não pensa

AS PALAVRAS

O jogo foi jogado. A equipa perdeu? A equipa ganhou? O treinador respondia às perguntas dos jornalistas na conferência de imprensa. Fazia a análise dos comportamentos em campo. Com a tristeza no rosto? Assim me pareceu. Ele, a dada altura da conversa, falou sobre como os jogadores se comportaram. Os seus? Os  adversários? Tanto faz. Disse  assim: “Quando eles se apanharam a perder cometeram o erro que muita gente comete”.

Desculpe-me senhor treinador, mas, tenho de dizer,  fez-me rir. Fez-me mesmo soltar gargalhadas.

Bola
Imagem: Lusa

O tio Célito é dos angolanos, o Presidente é dos portugueses

AS PALAVRAS

 

No Lubango, aquela voz que eu ouvi lá atrás da multidão, que dizia no tom amigável usado pelos portugueses “Marcelo! Marcelo!”, queria dizer “o Presidente é meu!”. Enquanto os visitados lhe dançavam em redor. O envolviam. O apertavam e clamavam por ele: “Célito! Célito!”.

O Senhor Presidente foi lá abraçar todos. Na viagem, passou de dentro do carro blindado para o estribo, para saudar toda a gente. Deve andar a pôr a cabeça em água à segurança e ao anfitrião.

Eu quero ir numa viagem assim. Talvez na próxima visita a irmãos ele se lembre de  me levar na bagagem.

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