À noite todos os gatos são pardos. Por causa deste ditado popular, falou um gato preto.
À noite todos os gatos são pardos. Não acreditem no provérbio, porque eu à noite continuo a ser o Gato Preto. Eu também sei que as pessoas dizem que os gatos pretos dão azar. Mesmo assim eu quero ser sempre o Gato Preto.
Eu sempre soube que as pessoas imaginam que ao se cruzarem com um gato preto ficam azaradas. Bem as vejo quando se cruzam comigo na rua, achando assim não se cruzarem, passar para o outro lado da rua.
O que estas pessoas não sabem é que lá porque passam para o passeio do outro lado da rua, não deixam de se cruzar comigo. Só se cruzam mais ao lado. Para não se cruzarem com o Gato Preto que eu sou, tinham de inverter a marcha.
Os homens e as mulheres não são tão sábios como imaginam. Existe um de uma idiotice extrema. Quando eu o vejo passar para o outro passeio, do outro lado da rua, falo com os meus botões: “ah meu lindinho tivesse eu o poder de que tu tens medo e fazia-te rodopiar até ficares a meu lado, até roçares no meu pelo, no passeio deste lado da rua”.
Este homenzinho, mesmo tolo, não pode acreditar que nos deixamos de cruzar por termos a rua a separar-nos, quer ela seja larga ou estreita. Ele já devia ter percebido que quando segue o seu caminho está completamente igual ao que era quando iniciou a sua marcha.
O homem burrinho, que vai atrás de ditados sem nexo, ainda não se concentrou em si próprio para perceber que a sua saúde está igual à que apresentava quando me lobrigou ao longe. Por causa dos pilretes como este é que os gatos pretos são raros e é por causa desta raridade, assim o creio, que ele ainda tem medo.
Por causa de nós, gatos pretos, sermos poucos é que eu tive de me virar para a Gatinha Branca que vejo da minha janela. Eu sei que posso parecer um segregacionista, mas acreditem que não sou. Eu só queria ter uma gatinha preta a meu lado, para poder gozar um pouco mais com aquele homenzinho que muda de passeio para não se cruzar comigo.
Como eu gozaria quando o visse no passeio e, nós dois gatos pretos, largássemos as mãos que estavam enlaçadas e cada um caminhasse e ocupássemos os dois lados da rua. Como eu me iria rir. Como nós os dois gatos pretos gargalharíamos quando víssemos que ele invertia a marcha para connosco não se cruzar. Por isto é que eu procuro uma gatinha preta.
Também é verdade que eu sou o Gato Preto e estou encantado com a Gatinha Branca que vejo da minha janela.
A minha dona gosta de me dar sardinhas fritas com arrozinho de tomate. Eu adoro aquela comida. Fico feliz com o arroz que tem um travo ácido, porque ela usa tomate muito bom, mas pouco maduro.
A seguir ao jantar a minha dona dá três voltas à chave e diz-me: “São horas de dormir” e enfia-se na cama. Mas a casa é grande, quando eu quero sair encontro sempre uma fresta por onde me posso esgueirar.
Agora já sabes, Gatinha Branca, que podes saltar para o quintal, espreitar as minhas janelas e logo me verás a escorregar por uma delas.
Um dia destes, no dia das sardinhas fritas com arroz de tomate, convido-te para a minha casa e dividimos o meu jantar. Se a tua dona não chorar, podemos ronronar os dois toda noite junto à minha lareira.
Era este o discurso que o Gato Preto ensaiava sempre que via a Gatinha Branca na janela da casa ao lado. Ele era um Gato acanhado, embora paciente. E tanto ensaiou que até mudou o tom da voz. Apesar disso continuava desiludido. Passou a colocar-se em frente ao espelho da dona e descobriu que precisava de emendar a postura. Mas sem mais quê nem porque não, os ensaios pararam.
Durante algum tempo o Gato brincou com as superstições de um homenzinho que temia cruzar-se com gatos pretos. Mas um dia destes ele é capaz de acordar, junto à lareira, com o ronronar da Gatinha Branca.
Foto: Pixabay (o Gato Preto).
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