A Gatinha Branca não é um livro aberto, mas o Gato Preto leu nos seus olhos azuis e entendeu as mensagens. Mas ele estava a deixar correr o tempo. A sua atenção estava centrada na dona. Já havia algum tempo que o Gato não cismava junto às janelas.
Nos últimos meses a sua dona “andava numa roda viva”. Pouco parava em casa. Raramente, à noite, dava três voltas à chave e já não dizia “são horas da caminha”. O Gato saia pouco. Andava preocupado e triste.
É verdade que tinha as saídas mais facilitadas. Era raro ela percorrer as janelas à procura de frestas. Até houve uma noite em que a porta de fora ficou só encostada. O Gato teve de fazer várias corridas entre a frincha de uma janela e a porta entreaberta. Correu, correu e por fim quase voou. Parecia o Pepe Rápido da história de um outro gato. Até que conseguiu criar uma corrente de ar que impulsionou a porta com estrondo contra o batente.
A dona nem deu pelo estoiro. O Gato foi pé-ante-pé espreitá-la. Ela dormia serena e profundamente. Na manhã seguinte ele ouviu-a a falar consigo mesma: “Como é possível que eu ontem não tenha dado três voltas à chave? Como é possível que nem uma volta eu tenha dado?” e continuou: “Tenho de mudar de vida e voltar a serenar. Tenho, também, de dar mais atenção ao meu Gato que me parece um pouco tristonho”.
O Gato estava feliz a ouvir a arenga da dona. Mas ele sabia que ela não iria acalmar tão cedo. Tinha iniciado um negócio que ele não entendia (escuro não era porque ela dormia o sono dos justos). Chegavam pessoas com bagagens e logo na entrada entregavam-lhe algumas notas. O Gato bem a via escrever em duas colunas de uma folha de cálculo. Uma do deve e outra do haver. A coluna do haver a cada dia que passava mostrava números maiores e a sua soma crescia a olhos vistos.
O Gato Preto não abrangia aquele negócio. E então pensou: “Tenho de ficar mais atento à minha dona, não a quero metida em sarilhos”. Foi assim que o Gato quase deixou escapar a Gatinha Branca, que andava a mirar o Gatão de pelo branco manchado de preto.
Certo dia o Gato Preto estremeceu. Tinha voltado à janela e lá estava o Gatão outra vez. Ele devia vir de longe. Tinha aquele ar fatigado de sempre. Mas caminhava decidido por cima do muro do quintal, mesmo em frente do nariz do Gato.
O Gatão esticava-se com a barriga a roçar na parede. Saltava o muro de fora para dentro e todos os dias demorava mais um pouco.
O Gato passou a contar os minutos diários e verificou a evolução num gráfico de barras (nem imaginam o que a folha de cálculo da dona lhe ensinou). Quando leu aquele gráfico com mais atenção o Gato fez: upsss e disse: “Isto está a ficar fora do meu controlo. Tenho de saltar o muro. Tenho de mostrar as garras ao Gatão”.
Proximamente veremos o Gato Preto a dar uma lição ao Gatão?
Imagem: Pixabay (o Gatão).
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