Hoje, na praia, uma sombra ridícula fez-me frio. É verdade que só a senti porque do mar chegava uma aragem bem fresquinha. Sem qualquer sombra a brisa passava deixando uma leve frescura na minha pele ainda molhada do único banho do dia.
Durante alguns instantes senti aquele friozinho a rondar e a persistir colado a mim. Levantei a cabeça e vi que o meu chapéu de sol não me fazia sombra. Esqueci a frescura e continuei a ler: “A cabeça abarrotava de preocupação, de inquietude, de desgraça. Ora a camisa se rasgava, ora apareciam abcessos, ora tinha dores de barriga e era impossível arranjar autorização para ir ao médico, ora a pele rebentava nos calcanhares e Macha andava coxeando, com as grevas negras de sangue” (*). Tratava-se de uma mulher presa num campo de trabalhos forçados.
De novo aquela frescura excessiva de quem está à sombra e devia gozar o sol. Ergui outra vez a cabeça e vi uma tirinha de sombra projetada pelo poste das bandeiras da praia.
(*) Tudo Passa, pág. 123, Vassili Grossman, D. Quixote.
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