O Gato Preto é um tímido e a Gatinha Branca lança mãos à obra. Começa a rondar.
Ah! Gato Preto pensavas que eu não te seguia? Imaginavas que eu não deixava a minha janela? Sonhavas que eu não seria capaz de saltar o muro? Se pensavas assim vê como estavas engado. Eu a Gatinha Branca segui-te algumas vezes. Saltei da minha janela e marchei no teu encalço. Vi-te caminhando na direção daquele homenzinho tonto que tem medo de gatos pretos. Achei-te tão divertido.
Sabes meu Gato Preto. Eu vi tantas coisas nos teus olhos virados para mim. Sei tanto sobre ti. Juro que dormes junto a uma lareira. Até pressinto que gostavas de ronronar comigo aí nessa quentura. Consigo imaginar o sabor da tua comidinha. Sinto o teu afeto. Queres saber mais? Os teus olhos também me revelam uma certa timidez, por isso tenho tido tanta vontade de saltar para o teu quintal. Eu costumava ver os teus grandes olhos dourados direcionados para mim e aguardava que resvalasses da tua janela.
Uma das vezes que te escoltei intuí que pensavas numa gatinha preta e voltei para casa tristonha. Eu ia na tua peugada e tu devias ter pressentido os meus olhos na tua direção. Não fizeste qualquer gesto, nem sequer afitaste as orelhas o que provaria que me começavas a sentir.
Voltei para casa. No caminho vinha falando com os meus botões, porque eu também falo com eles: “Gatinha Branca como podes ter interpretado mal aquele olhar faiscante que vinha daquela janela? Devias ter visto melhor para onde aqueles olhos dourados apontavam”.
Sabes meu Gato, eu gosto tanto do cheiro da tua comidinha. Há um dia na semana que me cheira a sardinhas fritas. Nem sei como conheço o cheiro, pois a minha dona não cozinha peixe e também não cozinha carne. A comida na minha casa não tem o perfume que me chega vindo da janela da tua cozinha.
A minha dona, já deves ter reparado nela, é alta e esguia, faz um regime alimentar que designa de vegetariano. Eu não gosto assim muito, mas sinto-me linda e elegante ao lado da minha dona. Então como de bom grado aquela comidinha um pouco sensaborona.
Ah, desculpem. Não sei se sabem quem eu sou. Deixem-me apresentar: eu sou a Gatinha Branca e ando doida pelo Gato Preto que vejo da minha janela. Os olhos dele costumavam cintilar quando me viam, mas, sem mais quê nem porque não, foram atrás do homenzinho que foge a sete pés de gatos pretos.
Eu que me esgueirei pela fresta de uma janela e saltei o muro. Eu a Gatinha Branca que seguiu o Gato Preto e ficou de coração partido com a sua falta de sensibilidade. Depois viu-o a divertir-se. Senti-o a interessar-se pela Gatinha Preta. Os seus olhos disseram-me que era só para se rir com os medos de um certo homenzinho. Começo a desconfiar dele.
Sabem, nos últimos dias não saltei o muro. Já há dias que fico ao lado da minha dona. Aninho-me no seu colo e fruo do seu carinho, mas ela pára pouco no sofá. Rápido se levanta e deambula pela casa: “Acho que ela tem a mania das limpezas”. Então eu aproveito e ando à sua volta. Encosto-me a ela e dou voltas. Ela gosta de brincar comigo. Quando roço as suas pernas escapa-se rápido e eu estatelo-me no chão e, então, ela desata numa risota.
Claro que eu gosto das brincadeiras da minha dona, mas finjo-me amuada quando ela me rouba o apoio e me desampara. Então aproveito para me elevar ao parapeito da janela e aí permanecer à espera que o Gato Preto salte o muro. Mas começo a ficar pesarosa. Sinto-o tão fugidio.
Ouvi, certa vez, a minha dona dizer que quem não aparece esquece. Eu ainda não esqueci o Gato Preto, mas, por vezes, vejo o Gatão a saltar o muro e, depois, a ficar sentado com o rabo enrolado nas patas da frente a olhar para a minha janela. Começo a achar graça ao Gatão.
Se o Gato Preto não vence a timidez. Se ele deixa passar o tempo. A Gatinha Branca enleva-se com o Gatão que ronda a sua janela.
Imagem: DR (a Gatinha Branca).
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