O Gato Preto andava roído de ciúmes. Fazia estatistas e gráficos para ver, melhor, como cresciam os minutos das passagens do outro pelo quintal da Gatinha. Sobressaltou-se quando analisou os dados, mas voltou a distrair-se. Atitudes de gatos…
Agora está de volta. Durante algum tempo avaliou se teria vantagem no uso das garras. Mas o Gatão possuía um corpanzil de assustar um gato elegante como era o seu caso. Quando o Gato Preto o via e pensava zurzi-lo as pernas tremia-lhe.
“Mas então o que posso fazer?” pensava o Gato. “Eu adoro aquela Gatinha. Não me posso apavorar”. O Gato continuava a pensar: “Mas tenho andado tão distraído. Há um tempo sem fim que a não vejo”. Então passou da avaliação à observação. Voltou para a janela.
No primeiro dia esteve largo tempo sentado, com as barbas a roçarem o vidro, mas não viu movimento junto à janela que estava aberta. Notava uma certa corrente de ar. Um lindo cortinado de renda branca, de vez em quando, esvoaçava no lado de fora e voltava a entrar.
Passaram mais uns dias. A janela fechava-se à noite e, de manhã, o cortinado voltava a esvoaçar. Havia gente em casa. Mas a Gatinha estava ausente da janela. O Gato voltava a desanimar.
A dona do Gato continuava com o seu negócio mágico. A avaliar pelos números gordos da sua folha de cálculo. As pessoas entravam e saiam em maior número. O Gato já não se preocupava com a dona.
Agora vejam bem o que se passa.
Aquela casa anda um brinquinho de asseio. A dona do Gato já criou dois postos de trabalho. Um para a limpeza e outro para carregar as compras e ajudar nas deslocações dos clientes mais endinheirados.
O Gato Preto agora só se preocupa com as deambulações do Gatão em redor da Gatinha Branca (mas isso também já aconteceu há muito tempo). Ela não aparece. O Gato não pensa desistir.
Mesmo agora, se olharmos com atenção para aquele prédio ali mesmo à frente, estão a ver? A janela onde um cortinado está afastado para o lado? Lá está ele, o Gato, ligeiramente inclinado para a direita, a espreitar.
Se lhe seguirmos a linha do olhar vemos que os seus olhos estão fixados numa janela, onde um cortinado branco esvoaça.
Agora se os nossos olhos voltarem à janela do Gato e regressarem à janela do cortinado que esvoaça, podem ver que, neste preciso momento, algo se aproxima do parapeito desta janela. É ela, a Gatinha Branca, depois de tantos dias de ausência.
Agora olhem para a outra janela. Do outro prédio quase em frente. Olhem bem. É o Gato que num ápice se levanta. Upsss, desequilibrou-se. Faltou pouco para gastar algumas das suas sete vidas.
Ele voltou ao ponto de simetria, agora olha intensamente para a outra janela. Os seus olhos faíscam. Mas a Gatinha está interessada no muro encimado por arame farpado. Os seus olhos deambulam naquela direção.
Mas sim, confirma-se, é mesmo verdade. É a Gatinha Branca que espreita para o outro lado. Para o lado errado, deve o Gato estar a pensar. “O que procura ela naquele quintal?” questiona-se ele, que tem medo de saber a resposta.
O Gato já não precisa de resposta. A Gatinha esquece aquele quintal e dá uma volta rápida, como se um íman a atraísse. Os seus olhos azuis sorridentes encontram os olhos dourados do Gato que relampejam.
Os Gatos trocaram uma mensagem. Entenderam-se. Agora os dois ensaiam os saltos. Escorregam a caminho dos quintais. Já desceram. Já lá vão ao encontro um do outro. Já pensam em ronronar os dois juntos a noite inteira.
Então e agora? Olhem para o quintal do outro quarteirão. Aquele que tem um muro protegido por arame farpado. Sim, é mesmo ele. É o Gatão que caminha com a barriga a arrastar pelo muro. As costas continuam a escapar às farpas do arame. Lá vai ele a caminho do quintal da Gatinha.
E agora? O que irá acontecer? Aqueles três vão encontrar-se…

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