Eu conto – Uma história fantástica de Eduardo Galeano

Eduardo Galeano, escritor uruguaio, escreveu, no seu livro “As Palavras Andantes”, histórias fantásticas que tenho estado a ler. Vou contar uma que me fez rir, cintando de cor, com a devida vénia e agradecendo ao autor que já não está entre nós. 

Uma mulher, sentada à beira de um rio, lia uma história. Era uma vez…

Um homem muito rico, dono de tudo o que havia nas redondezas, vivia triste porque não tinha herdeiros. A mulher rezava mil orações e acendia mil velas todos os dias, mas não conseguia a graça de ter um filho.

Ela enresinava a vida do seu deus com os pedidos constantes para que fizesse dela mãe. O deus andava aborrecido e dizia: “Porque insiste ela em pedir uma coisa que eu não quero dar-lhe?”.  A dada altura, cansado, fez-lhe a vontade. Ela ficou grávida, mas nasceu um ser com cara de gente e corpo de lagarto. Mesmo assim, os pais ficaram felizes. Como a fortuna era vasta deram-lhe tudo. Conforto e educação não lhe faltaram.

Passaram os anos e chegou o dia em que o filho disse aos pais que queria uma mulher, que queria casar. Foi escolhida a noiva. Fizeram-se grandes festejos para o povo. Toda a gente aplaudiu. O banquete privado foi memorável. Chegou a noite. Os noivos recolheram aos seus aposentos privados e, nessa noite, o noivo papou literalmente a noiva. No dia seguinte sobrava ele. Correu a informação de que tinha tido o azar de ficar viúvo.

Não houve quem se preocupasse com o desaparecimento da mulher. A história repetiu-se muitas vezes. Os casamentos sucederam-se e os banquetes foram em igual número. O povo vivia encantado. As noivas não faltaram e todas tiveram a mesma pouca sorte. Foram comidas.

Um dia, estando viúvo, ele resolve ir apanhar sol à beira do rio na esperança de encontrar aquela mulher que lia histórias e lá estava ela entregue à leitura. Trocaram algumas palavras e ele regressou a casa como que encantado. Só pensava nela. A noite pareceu-lhe não ter fim. Queria voltar ao rio. Estava perdido de amores quase à primeira vista.

Amanheceu e ele arrastou-se até ao sítio onde a deveria encontrar, mas ela não estava lá. A mulher não tinha voltado naquele dia. Nos muitos dias seguintes ele foi fazendo o percurso, mas em vão. Ela tinha desaparecido. Foi entristecendo. Deixou de comer e foi ficando todos os dias um pouco mais fraco. Até que deixou de sair do quarto. Já não tinha forças para se arrastar. Caiu numa depressão. Estava às portas da morte. Os pais, então, pagaram a quem a procurasse, mas todas as diligências foram em vão.

Um dia, quando ele já estava muito débil, teve um pressentimento. Voltou a muito custo ao rio e lá estava ela sentada à sua espera. Abraçaram-se e ele disse-lhe que quase tinha morrido por ela. Pediu-lhe que casasse com ele e ela aceitou.

Organizou-se o casamento. O povo teve mais uma festa de arromba. O palácio rejubilou. Quando o banquete estava no auge os noivos recolheram-se.

Ela muito terna encheu o lagarto de carícias. Massajou-lhe as costas e ele ia adormecendo. Aos poucos ela foi descascando as suas grossas escamas e devagarinho foi-o comendo, sem que ele se apercebesse, até nada restar. 

Ela dormia calmamente quando amanheceu. 

Moral da história? 

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