E assim se fez justiça

Com as devidas aspas vou contar uma das histórias de um belo livro que estou a ler.

É assim:

“No final do século XIX, Juan Pio Acosta vivia na fronteira uruguaia com o Brasil.

O seu trabalho obrigava-o a ir e vir, de povoação em povoação, através daquelas solidões.

Viajava numa carroça puxada a cavalos, com oito passageiros de primeira, segunda e terceira classe.

Juan Pio comprava sempre o bilhete de terceira, que era o mais barato.

Nunca compreendeu porque razão havia preços diferentes. Todos viajavam do mesmo modo, os que pagavam mais e os que pagavam menos: apertados uns contra os outros, comendo pó, sacudidos pelo incessante solavanco.

Nunca compreendeu porquê, até que num dia de inverno a carroça se atolou na lama. E então o capataz ordenou:

– Os da primeira classe ficam onde estão!

– Os da segunda descem!

– E os da terceira … empurram!

In Os Filhos dos Dias, de Eduardo Galeno, escritor uruguaio (1945 – 2015. A editora é a Antígona. Nota: o escritor, a esta história, deu o título: “dia da justiça social”.

Deixaram-me oito horas sozinho à fome e à sede

HISTÓRIAS

Uma criança ainda sem altura para ver a rua pela janela foi deixada num autocarro, sem comida, sem água e nem um adulto por perto. 

Sou um menino de três anos. Fiquei dois meses em casa com os meus pais por causa da Covid-19. Saibam que adorei, mas queria voltar à minha escolinha para brincar com os meus amigos e com a minha professora. No dia em que regressava adormeci e quando acordei estava preso ao banco do autocarro. Não via os outros meninos. Não ouvia vozes. O autocarro estava parado. Fiquei tanto tempo sozinho. Tive tanta fome e tanta sede. Chorei, adormeci, acordei e tornei a chorar. Pensava que os meus pais já não me queriam, até que os vi outra vez. Prendi-me aos seus pescoços e tão cedo não os vou largar.

Agora ouço tanta gente dizer que me encontraram “bem e tranquilo”. Quem se atreve a dizer isso? 

Francamente senhor presidente da Câmara Municipal de Rio Maior. Francamente senhores jornalistas que foram repetindo a lengalenga do autarca que, eu, “a criança estava bem e tranquila”. Um qualquer de vocês experimente ficar amarrado a um banco de um autocarro sem de lá poder sair, sozinho sem saber onde está, sem comida e sem água durante mais de oito horas, mesmo sendo adulto, vejam se ao fim desse tempo estão tranquilos. Pior, eu sou uma criança ainda sem altura para ver a rua pela janela e fui deixado sozinho dentro de um autocarro, sem ter comida, sem ter água para beber, sem um adulto por perto. Têm o desplante de dizer que eu estava tranquilo?

Uma criança de três anos

Algazarra para molhar o pão no molho

HISTÓRIAS

A algazarra dos que querem ganhos políticos, a propósito da ordenação dos grupos prioritários a receber a vacina anti-Covid-19, lembra-me a história de uma família pobre. Pai, mãe e dois filhos, que num dia de Páscoa tinham sobre a toalha desfiada da mesa umas sopas “balhadas”.

Estavam os quatro sentados para iniciar a refeição, quando o pai, muito triste pelo pobre manjar que os esperava, disse para a família: no próximo ano, logo nos primeiros meses, compro um cabrito, quando chegar a Páscoa ele vai estar crescido e gordinho. A mãe cozinha-o à sua moda. Ela ainda se lembra de uma receita antiga, em que a carne tenrinha é servida acompanhada de um molho saboroso, mesmo muito saboroso. Então um dos filhos entra na conversa e diz: eu vou molhar pão nesse molhinho, pai. Nisto, o outro irmão grita-lhe: não molhas nada pão no molho! Então o primeiro começa a chorar e diz: mãe ele não me deixa molhar o pão.

A SIC ganha? eu também devia

O moderador e dois analistas debatiam o jogo Benfica versus Standard de Liege. Passaram ao repórter no exterior do Estádio da Luz que acompanhava a chegada do autocarro com a equipa em direto.

Enquanto o jornalista descrevia, o que entendia poder vir a ser o jogo, a câmara focava, focava e focava a marca do autocarro. Faziam publicidade dissimulada ou oculta? Era o que parecia.

Já agora, a propósito, vejamos o que é publicidade dissimulada. Para isso consultemos o Código da Publicidade, publicado em anexo ao Decreto-Lei n.o 330/90, de 23 de outubro, e que dele faz parte integrante.

Artigo 9.o – Publicidade oculta ou dissimulada 

“1 – É vedado o uso de imagens subliminares ou outros meios dissimuladores que explorem a possibilidade de transmitir publicidade sem que os destinatários se apercebam da natureza publicitária da mensagem.
2 – Na transmissão televisiva ou fotográfica de quaisquer acontecimentos ou situações, reais ou simulados, é proibida a focagem direta e exclusiva da publicidade aí existente. 

3 – Considera-se publicidade subliminar, para os efeitos do presente diploma, a publicidade que, mediante o recurso a qualquer técnica, possa provocar no destinatário percepções sensoriais de que ele não chegue a tomar consciência.” 

https://dre.pt/web/guest/legislacao-consolidada/-/lc/74450489/201901161046/exportPdf/normal/1/cacheLevelPage?_LegislacaoConsolidada_WAR_drefrontofficeportlet_rp=diploma

Quinze dias depois eles nasceram

HISTÓRIAS

 

Primeiro a invasão aborreceu-me, mas aguardei calmamente o decurso da incubação. Ontem nasceram os dois pombinhos. Ora vejam a foto.

A tonta da mãe há pouco, porque lhe atirei uns bocadinhos de pão, voou. Talvez para me deixar fotografar os filhos em troca da hospedagem. Voltou pouco depois. Aproveitou para comer a oferta que lhe fiz e agasalhar os filhotes.

É verdade que tive medo que ela estivesse a chocar os ovos e nada acontecesse. Os pombos das cidades estão a ser esterilizados através de comida. Fico feliz que este não seja o caso.

 

Um ninho na varanda. Que falta de vergonha!

 

HISTÓRIAS

 

Não são bem acolhidos nas cidades. Eles são infestantes como algumas plantas. Eu não adoro o desarrumo que deixam nos meus vasos e a desfaçatez com que usam as minhas varandas como casas de banho, mas não posso impedir que a pombinha ali continue.

Há uns dias, quando abri uma das janelas, olhei para um vaso em frente e nem queria acreditar no que via. Examinei, tornei a verificar, confirmei que estava ali um ovo branco. O que podia eu fazer? Deixei-o lá sossegado. No dia seguinte, quando voltei a espreitar, já lá estavam dois e pensei: Mas que falta de vergonha.

Agora a pomba está a aquecê-los, a chocá-los. Voa quando me sente mais próxima ou quando vai alimentar-se. Segundo li, a incubação dura de 15 a 19 dias. Depois vai decorrer o tempo até os filhotes se mostrarem independentes. Terei paciência suficiente para os ver nascer e voar dali para fora.

Temo pela saúde da minha limeira, que acolhe aquele ninho, pois onde os pássaros pernoitam e nidificam a vida das árvores é muita afetada. Tenho de me manter atenta.

 

 

 

Ela diz que haverá arroz. O pai foi embora

HISTÓRIAS DE PESSOAS

 

Vi na RTP 3, no programa Zoom África (2019/04/26), a história começa ao minuto nono, é sobre uma mulher que aos 39 anos já foi mãe de 44 filhos. Vive no Uganda, um país de África.

Casou aos 12 anos (dizendo corretamente, houve quem a casasse), aos 13 nasceram os seus primeiros dois filhos, gémios. Depois vieram muitos outros. De um em um ou em grupos de dois, de três, de quatro e até de cinco. Chegou já ao número  44. Seis morreram de problemas vários. 38 estão vivos.

 

Ela agora vive sozinha a fazer pela sua vida e pelas vidas dos seus filhos. Quando nasceram os últimos gémeos o pai foi embora. Agora ela diz que pelo menos arroz conseguirá arranjar para toda a família.

Tem sido apresentada como símbolo de fertilidade, mas vejam-se os outros ângulos desta história. É uma linda família, é verdade, mas a comida é fraca, falta roupa e  muitos pés andam descalços.

Oxalá que o circo mediático que se montou à sua volta a ajude a alimentar e a calçar os filhos.

Nota: se gostar de ver o programa, pode usar o link que está abaixo.

https://www.rtp.pt/play/p5331/e403486/zoom-africa

 

 

 

 

 

 

Os alhos cheiram a mofo. Quero os da ilha Graciosa

HISTÓRIAS

 

Ora vamos lá enfrentar este tema ligeiramente malcheiroso. Os alhos dão bom sabor até aos ingredientes mais insípidos. Mas, enquanto estão crus, podem afastar mais que as bruxas e o mau olhado. Ultimamente os alhos ganharam um cheiro diferente. Pior. Os alhos cheiram a mofo.

Os meus cozinhados não dispensam este tempero, mas tenho de os abrir e retirar aquele fiozinho do centro que, quando semeado, dá origem às folhas. Não sei que alhos são estes que vendem nos estabelecimentos comerciais! De vez em quando, substituo-os por folhinhas verdes, picadas finamente, de alhos que semeio nos meus vasos e lá crescem.

O interior dos dentes de alho, quando abertos ou esmagados, cheiram a mofo. Acreditem que é verdade. Este mau cheiro sobrepõe-se ao cheiro intenso característico dos alhos. Costumo comprar os que estão identificados como sendo produzidos em Portugal e, na sua falta, opto pelos espanhóis. Mas estou ciente que estou a ser enganada, pois mesmo quando as etiquetas anunciam: “produzidos em Portugal” lá está, quase sempre, o cheiro a bafio. Acredito que aquele odor é adquirido em viagens, de muito tempo, em contentores fechados sem qualquer arejamento.

Os alhos vêm lá do fim do mundo. Então sejam bem vindos os alhos da ilha Graciosa, nos Açores, que, um dia destes,  se exibiram em festival. Um dos participantes descreveu-os assim: “Os nossos alhos são limpinhos, redondinhos, têm pouco acídulo e o sabor de boca final é muitíssimo bom”. “O Governo pode avançar com a certificação de produto da reserva da biosfera, cedendo-lhes o uso do respetivo símbolo”, acrescentou outro participante.

Eu acredito nestes produtores. Eu quero destes alhos. Onde os posso encontrar? Talvez na Casa dos Açores, em Lisboa.

 

 

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