Uma história com muitas vidas lá dentro

Hoje apetece-me contar um pouquinho, até menos ainda do que isso, de As Sombras de uma Azinheira.

Ouvi, há algum tempo, o autor do livro dizer que este não é autobiográfico, mas enquanto eu o ia lendo via o Laborinho Lúcio nas linhas e nas entrelinhas da sua escrita. Via-o numa das personagens, mesmo quando esta não estava presente ele estava sempre por ali à espreita.

Eu podia contar muito das vidas que por ali vão passando, mas é preferível que abram o livro e o apreciem. Só quero trazer para este texto a protagonista Catarina, que é uma linda e culta mulher. Ela teve duas perdas irreparáveis no dia do seu nascimento. A mãe morreu nesse mesmo dia e o pai virou-lhe as costas, nem a quis conhecer. Mas ela teve uma tia e o seu marido que a foram buscar à maternidade e a criaram como se fosse sua filha.

A Catarina tinha um grande amigo, que todos julgavam ser o seu amor, mas não. Ela era o amor dele, mas ele não era o amor dela. Com o tempo, ele habitou-se a ser o seu maior amigo.

A Catarina teve duas amigas que, essas sim, foram os seus grandes amores. Quando os tios disso souberam foi como se um raio lhes tivesse caído em cima, sendo que a tia foi atingida com muito mais severidade. No dia em que tiveram aquela conversa que tinha que acontecer, ela levantou-se e desapareceu, só muito mais tarde se reaproximaram. Ele, o tio, foi ficando, continuaram a falar e depois, para surpresa da Catarina, disse-lhe que gostava que ela trouxesse a sua amiga a jantar com eles, quanto à tia disse-lhe que não se preocupasse, que falaria com ela. A distância entre os dois ficou, assim, mais curta.

Aquele romance é bonito, é elegantemente descrito. Mesmo quando a primeira relação se desfaz isso acontece com delicadeza. E um novo amor surge na vida da Catarina contado com requinte e ternura.

E, vejam bem, eu que estava a torcer por elas, lá para o fim da história, comecei a ter esperança de que ela ficasse com o seu amigo de sempre. Pensando bem agora, isso não podia ser assim. Laborinho Lúcio, como devem saber, criou uma associação que protege pessoas que costumam ser discriminadas pela sociedade sem mais quê nem porque não (como eu estava a fazer sem pensar nisso). Claro que o fim da história só podia ser aquele que o autor lhe deu.

E eu acabei por gostar da sua sabedoria.

As Sombras de uma Azinheira, de Laborinho Lúcio, da Quetzal

Imagem: Desobrigado.com

Patinhos ao engodo?

No noticiário de domingo, entre ao 21 horas e às 21,30, na RTP3, houve aquilo a que eu designo de tempo de antena de cinco minutos oferecido a um partido político.

A propósito de mais uma invenção do Chega a RTP3 pediu um comentário ao diretor do jornal Público. Não recordo nada do que foi dito pelo jornalista. Só estive a ver o que, possivelmente, queriam que eu visse.

Há uns senhores que inventam assuntos mais ou menos quentes e as televisões lá vão ver se não perdem a caixa. Possivelmente nem foi esse o caso, talvez eu até esteja enganada neste ponto.

Já agora sempre vos digo qual é a história dos “meninos”. Como se sabe, o presidente do Partido Social Democrata (PSD) acaba de ser eleito. Ainda vai haver um congresso e, depois, o novo dirigente tomará posse. Mas, os inventores de factos já o desafiam para um encontro das direitas e das extremas direitas e a RTP3 já foi ouvir um comentador. Pasme-se que a tal conferência terá lugar lá para o mês de julho.

Creio que não perceberam o que me deixou perplexa naquela peça “informativa” da RTP3, têm razão para isso, porque não expliquei claramente, então vejam: enquanto o comentador fazia a sua interpretação sobre a proposta feita ao PSD, que já descrevi, o ecrã da tv estava dividido em duas partes. Do lado direito do ecrã estava o comentador (vá lá, deram-lhe o lado onde a nossa atenção mais tempo se concentra) e, na outra metade, passaram imagens de toda a gente do Chega durante o tempo em que decorreu a conversa. Foram mais de cinco minutos, onde o jornalista aparecia naquela parte do ecrã para fazer uma ou duas perguntazinhas ao comentador e rapidamente voltavam as imagens do Chega. Francamente, RTP.

https://www.rtp.pt/play/p9723/e620279/360-o- (se vos apetecer conferir, cliquem aqui, podem ir diretos aos 17 minutos do programa 360, de 29 de Maio de 2022).

Olhe a coca!

A mulher tinha acabado de estacionar no piso menos três e aguardava o elevador. Dois homens aproximaram-se. Cumprimentaram-na. Um deles, senhor vestido à Ralph Lauren, olhou para ela e disse: “Se eu fosse mulher não andava por aqui sozinha”. Então porquê? Perguntou ela. Ele mostrou-se um pouco atrapalhado. Deve estar habituado a que as mulheres sorriam e fiquem caladas (possivelmente é o que ela usa fazer). Mas, mesmo perturbado, respondeu-lhe: “Sabe isto aqui é muito sozinho e escuro”. Ao que ela disse: “Ah, não tem problema, eu estaciono aqui há anos e nunca me aconteceu nada de mal”. Ele que começou por armar-se em engraçadinho, no momento, já estava a sentir-se desarmado. E lá foi tentando uma justificação: “Eu queria dizer que isto é perigoso para…” (calou-se) e ela ajudou-o dizendo: “Para qualquer pessoa, não é verdade?” Ele, coitado, devia estar a sentir que dali a pouco ela começaria a dizer-lhe que aquela era uma conversa, no mínimo, paternalista que significava que as mulheres são uns seres que é melhor caminharem sempre por sítios com muita gente e muita luz. Os restantes lugares são só para elas se estiverem muito bem acompanhadas por um homem.

Saíram os três no piso zero. O amigo, que não entrou na conversa, ia com um “sorriso na cara”.

Além da Troica até quando?

 Já que outros tomaram a iniciativa esfregam as mãos de contentes.

A Autoridade Tributária (AT) esmifra o meu dinheiro há muitos anos, mas, pelo menos, facilita-me a vida quando preciso de preencher os formulários. Hoje estive calmamente a preencher, na minha declaração de IRS, o pouco que o automatismo não tinha lá colocado.

A minha calma desapareceu quando fiz a simulação. Este clic dou-o sempre na esperança de que o resultado desta ação seja uma boa notícia, mas não, ainda não é este ano que isso acontece.

Vejam bem que até tive a sensação de que a AT estava a ver-me e rir-se na minha cara, mas não. Pois, talvez para me consolar, quando acabei as operações necessárias apresentou-me um gráfico onde me mostrou para onde está a ir o montante que eu desconto de IRS todos os anos.

Ora vejam que até fiquei mais serena. Mesmo assim, como faço muitas vezes, tenho de lhe perguntar quando está a pensar repor aquela tabela de IRS que os senhores que foram além da Troica atiraram para o arquivo morto?

Os atuais governantes não legislariam no sentido de criar “um enorme aumento de impostos”. É verdade? Pelo menos é isto que fazem crer às pessoas que lhes dão maiorias absolutas. Mas já que os outros tomaram a iniciativa esfregam as mãos de contentes.

Ah pois!

Imagem: Autoridade Tributária

Viagem em Cuba (I)

Não há “mares de rosas”, mas as rosas existem mesmo.

No dia um de março deste ano de 2022 deslumbrei-me logo no primeiro assomo pela janela. Os tripulantes foram exímios no desenho daquele quarto crescente de lua por cima do oceano e das serras que cercam Santiago de Cuba. De cima das nuvens brancas, descemos rumo ao brilho do sol que acolheu escaldando os passageiros e a tripulação que vinham de uma viagem longa, mas serena.

E, então, quando o desenho do quarto crescente da lua se completou, o avião deslizou pela longa pista e foi abrir as portas em frente ao edifício do aeroporto.

Não há “mares de rosas”, mas as rosas existem mesmo.

E assim se fez justiça

Com as devidas aspas vou contar uma das histórias de um belo livro que estou a ler.

É assim:

“No final do século XIX, Juan Pio Acosta vivia na fronteira uruguaia com o Brasil.

O seu trabalho obrigava-o a ir e vir, de povoação em povoação, através daquelas solidões.

Viajava numa carroça puxada a cavalos, com oito passageiros de primeira, segunda e terceira classe.

Juan Pio comprava sempre o bilhete de terceira, que era o mais barato.

Nunca compreendeu porque razão havia preços diferentes. Todos viajavam do mesmo modo, os que pagavam mais e os que pagavam menos: apertados uns contra os outros, comendo pó, sacudidos pelo incessante solavanco.

Nunca compreendeu porquê, até que num dia de inverno a carroça se atolou na lama. E então o capataz ordenou:

– Os da primeira classe ficam onde estão!

– Os da segunda descem!

– E os da terceira … empurram!

In Os Filhos dos Dias, de Eduardo Galeno, escritor uruguaio (1945 – 2015. A editora é a Antígona. Nota: o escritor, a esta história, deu o título: “dia da justiça social”.

A barragem leva muita água

Em Portugal

Se eu pudesse enchia-as todas até ao gargalo e ainda ficava aqui metade desta água.

Fez ontem vinte anos que a barragem do Alqueva começou a encher. Hoje é um “mar de água” naquele Alentejo. Quem olha dificilmente imagina a quantidade que ali está presa. Ontem, 2022/02/08, pelas 20h e 40m, a RTP apresentou uma reportagem sobre a barragem, que incluía as declarações de um homem que sabe comunicar. É o senhor Nixon, dono da empresa Alqueva Tour.

Ouvi-o explicar a capacidade de armazenamento de água da barragem do Alqueva. O senhor Nixon disse assim: “Se eu pudesse levar água daqui para as seis barragens mais altas do que o Alqueva enchia-as todas até ao gargalo e ainda ficava aqui metade desta água. Assim já conseguem ter uma ideia da sua capacidade”. É verdade, dito assim, dá para imaginar.

Imagem: Desobrigado.com (captada da TV)

Criaram a ilusão e iludiram-se

Olhando um placard que ainda exibe um Rio eufórico, lembrei de uma história que ouvi contar há muitos anos.

Aquele partido político que contavam ganhar as eleições do passado domingo, deixou que os seus filiados enchessem autocarros e “desaguassem” nas grandes cidades, criando a ilusão que com tanta gente ia ganhar. Tamanhas enchentes tinham forçosamente de influenciar o sentido do voto a seu favor. Mas os eleitores já desmontam melhor os truques.

A acrescentar às enchentes, o líder gritava que o seu rival direto estava cansado. Que já lhe tinha entregado os pontos. Que já tinha perdido. Que era mentiroso. Que, ao menos, podia perder com dignidade. Chegou a acreditar que a ilusão era real.

Hoje, olhando para um grande placard que ainda exibe um Rio eufórico, lembrei de uma história que aconteceu em Garvão, no Alentejo, há talvez uns oitenta anos.

Uma moradora da aldeia, que devia estar farta da pasmaceira do dia-a-dia, saiu de casa e pôs-se a gritar: “Caiu um avião na Sardoa, caiu um avião na Sardoa”, (um local afastado do centro). Ouvindo aquela gritaria as outras pessoas saíram de casa e correram para o local do suposto desastre. O centro da aldeia estava quase deserto, toda a gente caminhava na direção indicada. Até que ela, a mulher que se queria divertir um pouco, falou de si para si dizendo: “Não querem ver que caiu mesmo um avião na Sardoa! Vou ver”.

Imagem: Pixabay

Raposas a guardar o galinheiro, não

Portugal

Hoje senti um friozinho nas costas quando ouvi, na radio Antena Um, entre as 10 e as 11 horas, o secretário-geral do Partido Social Democrata (PSD), José Silvano, dizer que Portugal precisa de mais produção e de menos distribuição. A jornalista não pediu descodificação da mensagem e devia tê-lo feito, para esclarecer os ouvintes.

Assim, temos de estar atentos às palavras dos responsáveis políticos, mesmo que eles sejam figuras de segundo plano dos partidos. Estamos agora a tempo de fazer as escolhas políticos. O dia 30 de janeiro de 2022 é já no próximo domingo.

O PSD ofende-se quando alguém lhe recorda que cortou a direito nos rendimentos de trabalho e nas pensões dos portugueses, diz que isso foi lá atrás. E não vai repetir na próxima crise? Então o que quer dizer com menos distribuição? os portugueses têm o direito e o dever de estar atentos.

Pelo sim pelo não é melhor não colocar a raposa a guardar o galinheiro.

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