Górgona é real. As bruxas não

Mesmo assim, elas rondaram as janelas da cabana de Ariadne.

Conheci-a na A Ilha dos Jacintos Cortados, um livro de Gonzalo Torrente Ballester.

O Mundo tem recantos inimagináveis, muitas vezes tão perto de nós e, mesmo assim, desconhecidos. Num desses recantos situa-se a ilha de Górgona, que até podia ser uma ficção do escritor, mas é mesmo real. Pertence ao arquipélago toscano, do mar Lígure (Itália) [1]. Tem uma população de 300 habitantes (entre população fixa e autoridades, Wikipédia).

É no meio da população antiga da ilha que Ballester, o escritor espanhol, constrói uma história deveras encantadora, que me fez rir e também sobressaltar. Para ser mais precisa ele conta histórias dentro de histórias. Existe um protagonista que as mostra a uma jovem amiga. Eles partilham uma cabana no meio de um bosque, onde passam algum do seu tempo livre. E, naquele espaço, usufruem de uma bela lareira, onde ele usa o fogo para ver através das labaredas as pessoas da ilha e as suas vivências em tempos muito remotos. Aí vê o desenrolar das histórias e, ao mesmo tempo, conta-as à sua amiga que, assim, vai aprendendo a ver os acontecimentos no fogo.

Eles ainda vêem nas labaredas uma jovem mulher que tem capacidades excepcionais para, nos espelhos do palácio, ver as pessoas, ainda mais antigas, cujas imagens foram neles aprisionadas.

É deveras interessante o desenrolar das histórias dentro das histórias. Só para vos aguçar um pouco a vontade de conhecerem este interessante livro (perdoem-me, pois nem sei se ainda o encontrarão), conto-vos só mais um pouquinho.

Naqueles tempos remotos, na ilha, existiam aliciantes para todos os gostos: mulheres e homens bonitos e poderosos, muitos amores, muitos preconceitos e muita prepotência; um leproso que era a autoridade máxima da ilha (a quem ofereciam mulheres de vez em quando, que morriam de asco na sua presença), ele vivia encerrado no palácio no ponto mais alto da ilha; três bruxas irmãs, duas que viviam há centenas de anos e uma outra que estava morta, mas que voava com as vivas por todo o lado. Elas azucrinavam a vida dos habitantes nas suas vivências mais intimas. Vejam bem, que elas até chegaram a rondar a cabana do protagonista no seu tempo.

Ainda conto um pouco mais: a jovem amiga do narrador (um universitário) é uma estudante que vive como que perdida de amores por outro seu professor, que a prende sentimentalmente, mas que a afasta por incapacidade física e a faz sofrer. Então ela procura consolo junto do protagonista que a acolhe de braços abertos e lhe vai contando histórias em capítulos na cabana do bosque. Quando estavam a ficar mais íntimos as bruxas rondaram as janelas e ofenderam a jovem Ariadne (é este o seu nome), como faziam com todos os amantes.

A Ilha dos Jacintos Cortados, Diffel, edição de 2003, de Gonzalo Torrente Ballester.


[1] Existe outra ilha com este mesmo nome, Górgona, que pertence à Colômbia (onde existiu uma prisão de alta segurança, já desativada), mas Torrente Ballester referia-se mesmo à Górgona que pertence a Itália.

Imagem: Desobrigado

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