Eles falavam mal do meu país e a minha raiva crescia, crescia

Palavras que mordem

Sentados à mesa do café, dentro de um centro comercial, em Lisboa, Portugal, com três chávenas de café vazias na mesa, sem máscaras, três brasileiros, dois homens e uma mulher, recriavam-se a falar mal do meu país. Eu ouvia-os e a minha raiva crescia.

Um dos homens, o que estava virado para mim monopolizava a conversa. Ele falava sobre a corrupção cá existente, enquanto os outros anuiam. Eu tive tanta vontade de me levantar e de lhes dizer que colocassem as máscaras, saíssem e fossem para bem longe, de preferência para fora do meu país. Não o fiz e estou mesmo arrependida.

Terminei o meu café, coloquei a máscara e ainda ouvi mais um pouco. Então percebi que eles estão cá porque, como dizia o speaker de serviço “a saúde e a segurança social são boas em Portugal”. Só faltou dizer, eu pelo menos não ouvi, que têm médico de família, coisa que não acontece comigo. E também não explicou como sabe que a Segurança Social é boa, possivelmente aproveita para receber uns subsídios sociais. 

O cretino falador acabou por dizer que isto aqui também era bom porque Espanha está logo ali e um pouco mais à frente está França, acrescentando que um dia destes foi de manhã em viagem a uma cidade italiana e ainda tinha voltado a tempo do jantar.

O meu país tem muitos defeitos. É verdade que a corrupção parece grassar como uma doença contagiosa, mas, que me desculpem os brasileiros amigos de Portugal, digam-me lá se o país daqueles homens e daquela mulher é o berço mundial dos santinhos e das pessoas honestas. Reparem que eu se estivesse acolhida no Brasil, nem isto diria. Porque vêm, então, para cá falar mal do meu país na minha cara? Ele é para mim como a minha família. Eu até posso não gostar de algumas atitudes, mas isso é comigo. Não venham pessoas de fora falar mal seja de quem for, porque eu isso não admito.

Imagem: Desobrigado

Menos restrições, mais mortes e as vacinas ali tão perto

A celebração do Natal, em família mais alargada, deu nisto, quando devíamos ser pacientes e muito cuidadosos nas nossas vidas diárias. É mesmo “morrer na praia”.

Nesta vaga, Portugal está à frente de muitos países europeus nos números de contagiados e de mortes por Covid-19. Olhemos para Espanha, para França, para Itália, para a Alemanha, para o Reino Unido e vejamos os milhões de habitantes e os números dos infetados e dos mortos. Se fizermos as devidas proporções concluiremos que os nossos números são maiores, francamente maiores. 

Já era sabido que o SarsCov2 aproveitava todas as aberturas às restrições de contatos para infetar as pessoas, mas os governantes tinham de dar o seu ar de bonzinhos. Deixaram celebrar o Natal em família mais alargada. Recomendaram que se ingerissem as refeições rapidamente longe uns dos outros e se colocassem as máscaras como se fossemos robôs.

Tanta generosidade deu nisto: mais infeções, mais doentes, mais internados, mais mortos e as vacinas ali tão perto. 

Os idos de Portugal fazem quarentena no Reino Unido? Se sim, porquê?

PORTUGAL

Para britânico ver e para alguns portugueses perceberem melhor, comecemos a comunicar da forma que mais nos interessa. O que é mais importante vem no topo da notícia e a nossa informação principal é aquela que nos dá o número das pessoas que já estão recuperadas da Covid-19.

Eu comunicaria assim: em Portugal, hoje, atingimos os 27505 recuperados. Só já temos 14636 infetados ativos. 1576 pessoas morreram. 

Voltando ao corredor do Reino Unido, a que só alguns países terão acesso. Quem chegue lá, segundo se diz, ido de Portugal ficará forçosamente de quarentena. Os britânicos gostam do nosso sol, mas nem tanto que estejam dispostos a, no regresso, ficarem lá presos em casa.  Isto não seria bom para o nosso turismo. Possivelmente a saúde pública portuguesa agradecia. Veja-se o que por lá se passa. 

Volto aos dados relativos aos doentes Covid-19, que parece ser o que motiva a exclusão de Portugal do tal corredor, mas analisando objetivamente a informação o resultado não bate certo. Eu olhei para os números de quatro países: Portugal, Espanha, França e Itália. Destes só os turistas oriundos de Portugal seriam obrigados a ficar de quarentena no regresso ao país. O fundamento para a exclusão é o número de infetados. Então convido-vos a olhar para o quadro.

Os números Covid-19 em países SIM e NÃO no corredor do Reino Unido

PaísInfetadosRecuperadosInfetados ativosPopulaçãoInfetados ativos em cada 10000Frequência do corredor Reino Unido
Espanha249271150376988954694000021SIM
França16480176274885276699000013SIM
Itália24057819024850330603600008SIM
Portugal4214127505146361056200014NÃO

Destes quatro países só Itália se destaca com um número muito mais baixo de infetados em cada 10000 habitantes. Espanha tem um número muito superior ao de Portugal. Então olhem e digam-me porque incluem as pessoas idas de Portugal na obrigatoriedade de ficarem de quarentena?

Vamos aguardar. Talvez seja só especulação. Os britânicos são nossos aliados muito antigos. Lembram-se?

Ao que podemos controlar porque não dizemos não?

ENSINAMENTOS

 

Aí está, ali ao lado, a central nuclear de Almaraz tem autorização para funcionar até 2028. Devia encerrar em junho deste ano, mas vai continuar.

Enquanto nos consumimos de medo da Covid-19, que o SarsCov2 faz alastrar pelo Mundo sem que possamos compreender como é possível que tenha acontecido esta enormidade de contágio, andamos distraídos de outros males.

E aí está, mesmo ali ao lado, os donos da central nuclear de Almaraz (a Iberdrola – 53%; a Endesa -36%; a Naturgy – 11%. Segundo a Lusa) têm autorização para ela funcionar até 2028. Devia encerrar em junho deste ano, mas vai continuar.

Havia quem tivesse esperança de que as autoridades espanholas não deixassem que a central nuclear continuasse a trabalhar, mas o Conselho de Segurança Nuclear espanhol já autorizou.

A permissão definitiva cabe ao Ministério para a Transição Ecológica de Espanha que ainda não se pronunciou. Façamos figas para que o terror causado pelo vírus tenha criado fundamentos fortes para afastar o que está ao alcance do ser humano e que a produção de energia nuclear e o armazenamento de resíduos não tenham lugar em Almaraz.

Ainda não havia medo - Covid-19
Imagem: DGS (antes do medo)

Impiedosos, atrozes, brutais, inumanos são os que apedrejam pessoas e autocarros por causa da Covid-19

COISAS TRISTES

 

A Covid-19. Não se passa mais nada no Mundo? Perguntam alguns. Eu digo que se passa muito mais, mas, efetivamente, esta pandemia é assustadora, pavorosa, medonha, intimidante. É tudo isto. É terrível pela doença que dilacera os corpos e ceifa vidas e pela crueldade que alguns seres humanos não conseguem manter escondida onde sempre esteve à espera de se revelar.

Estamos a viver dias negros regressados da escuridão lá dos tempos da Idade Média. Vi hoje uma notícia arrasadora daqueles tempos, mostrando a pior face do ser humano. Um autocarro e as ambulâncias que transferiam utentes de um lar de idosos foram apedrejados por pessoas que são seres desumanos. Aconteceu aqui ao lado, na nossa vizinha Espanha, mas coisa idêntica sucedeu na Ucrânia quando regressavam a casa os nacionais daquele país que tinham estado aprisionados naquele navio de cruzeiros, no Japão.

Esta gente, à noite, coloca a cabeça na almofada e dorme? Possivelmente, hoje, sim. No futuro, se a humanidade lhes tiver regressado, talvez as suas consciências pesadas lhes devolvam pesadelos no lugar dos sonhos. Mas receio que estes seres não tenham consciência. Eles são desumanos.

Utentes de lar apedrejados em Espanha
Imagem: La Vanguardia

 

 

 

 

Martos existe mesmo

Julguei que o avô de Luís Sepúlveda ficcionava, mas enganei-me. Martos existe mesmo. É uma localidade espanhola da Andaluzia.

O escritor chileno conta, no seu livro Patagónia Expresso, um pouco da sua vida, no seu país sem liberdade. O Chile. Esteve preso e foi torturado. À sua prisão chama “um acidente obsceno”. Embora lhe desagrade, escreve sobre esse tempo.  A vida dos presos políticos e os seis meses que passou na solitária: um buraco com um metro e meio de largura, o mesmo de altura e igual comprimento, onde para esticar o corpo tinha de se deitar enviesado naquele nojo que havia servido para armazenar gordura, quando lá na prisão existiu uma unidade de curtumes.

Sepúlveda fala, também, sobre os homens de cultura que foram encarcerados e da organização destes, lá dentro, na prisão. Os presos, professores universitários dividiam-se por especialidades e faziam palestras a que todos assistiam, incluindo oficiais do exército. Nesta prisão que, referindo as palestras, pode parecer uma prisão com alguma normalidade, mas os prisioneiros eram sujeitos a interrogatórios e torturados por especialistas, muitos provenientes de países estrangeiros.

O comandante da prisão tinha uma verdadeira adoração pelo nazismo. Sepúlveda diz que não escreve o seu nome “por um elementar respeito ao papel”. O escritor foi libertado por influência da Amnistia Internacional. Recorda: “Enchi os pulmões com ar denso de uma liberdade limitada pelo medo de a perder”.

Mas o que eu queria mesmo trazer para este texto era Martos. Acabo de a descobrir no mapa de Espanha, na Andaluzia. Logo no início do livro, Sepúlveda fala sobre o avô que parece ter moldado a sua personalidade. Certa vez ofereceu-lhe o livro, de Nikolai Ostróvsky, Assim Foi Temperado o Aço, quando ele tinha uns 11 anos. Como condições para lhe entregar o presente pediu-lhe que lhe fizesse duas promessas: uma que faria uma grande viagem e a segunda que iria a Martos. Ele prometeu que faria a tal grande viagem e sobre a ida a Martos também disse que sim, mas perguntou-lhe onde ficava Martos. O avô respondeu aqui, batendo com as mãos no peito.

Luís Sepúlveda termina o livro a contar sobre a sua ida a Martos. Entrou num bar que tinha mudado de nome muitas vezes. Ainda havia por lá quem se recordasse do nome no tempo em que o avô tinha colocado aquela terra no coração: Bar de los Cazadores. Afinal Martos existe mesmo. Fica em Espanha, na Andaluzia. Martos é uma cidade sede do município da província de Jaén.

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