Não houve camisa lavada nem cadeira na Europa

AS PESSOAS…

Podia ter ajudado? Não, não podia. Nós gostamos um pouquinho de choro e condoemo-nos muito com o sofrimento alheio, mas não fazemos cruzes em boletins de voto porque houve uma desgraça.

Aconteceu-me não gostar de ver. Ficar mesmo incomodada. Sentir que houve desumanidade dos serviços de saúde, do partido político que o tinha como cabeça-de-lista, da família, dos amigos ou de todos. Ele sofreu um acidente, grave, de automóvel.  Era conduzido pelo líder do partido que foi primeiro-ministro e, por isso, este, recebeu tratamento condicente.

Ele é Paulo Sande, cabeça-de-lista, do partido Aliança. Foi hospitalizado e teve alta no mesmo dia. Saiu com a mesma camisa branca ensanguentada com que entrou. Não houve quem lhe emprestasse uma camisa lavada. Os holofotes estavam sobre ele. O líder do partido, esse, saiu sorrateiramenteno dia seguinte.

Ontem, quando vi Paulo Sande, na noite da derrota, senti um estremecimento. Relembrei a sua imagem à saída do hospital, em Coimbra.

Ainda pensei que fosse eleito, mas não. Não tem cadeira na Europa.

 

 

 

 

Umas portas sempre abertas e outras a encarcerar a Democracia e a Liberdade

AS MINHAS PESSOAS

As portas estavam abertas ou só firmes nas aldrabas. Porque toda a gente era honesta ou porque das portas para dentro não havia nada a cobiçar. Enquanto outras portas, que eram fechadas e guardadas pela prepotência, encarceravam a democracia e a liberdade.

Havia, ainda, outras fechadas a sete chaves. Estas guardavam bens preciosos e davam segurança às gentes que desconfiavam daqueles que só eram donos das estradas e do ar que respiravam. Ah! Sim, estes possuíam as suas preciosas famílias, como era o caso daquele casal que iam enriquecendo na mesma proporção em que o número de filhos aumentava.

Contra as estatísticas, que enunciavam a impossibilidade de todos sobreviverem e crescerem de boa saúde, livres de acidentes e das rasteiras da vida, a riqueza manteve-se intacta. Eles cresceram saudáveis, inteligentes, amigos uns dos outros, adorados pelos pais que eram os deuses deles.

O caminho estava cheio de pedras difíceis de transpor, mas a família era uma muralha. A guerra que levava os amigos, as perseguições aos mais corajosos dos descontentes, a possibilidade de um da família não escapar à ida à guerra, tiravam-lhes o sono. Era um pavor quando ouviam, baixinho, que no sítio tal um dado jovem não voltaria. Todos morriam um pouco de tristeza.

Mesmo assim, na aldeia, havia quem se vendesse a troco nem se sabia de quê e criasse condições para o pior do regime rondar as casas e a vida das pessoas.

Quando Abril abriu as portas pesadas, de gonzos enferrujados por um bafo velho de 48 anos, a família festejou, respirou e impregnou-se do aroma da liberdade. Todos saudaram os obreiros de tamanha façanha. O tempo correu. A liberdade cimentou-se, apesar dos buracos que foram sendo abertos no caminho.

Então, eles cresceram, medraram e partiram. Fecharam aquela porta que sempre tinha estado aberta. Trabalharam, trabalharam. Estudaram e progrediram. Hoje, contra todas as previsões, não divergem. Em homenagem aos pais e em sua própria honra, todos saúdam a Democracia e quem lhe abriu as portas.

As mulheres do Sudão. As “guerreiras”

AS MINHAS PESSOAS

 

Ali está, a verde no mapa de África, o Sudão. De Portugal àquele país, assim, vão uns 4555 quilómetros (a linha amarela sai de Portugal e termina no Sudão). A Líbia, o Egipto, a Eritreia, a Etiópia, o Sudão do Sul, o Chad têm fronteiras com o Sudão.

Localização do Sudão
Imagem: Wikipédia (edição Desobrigado)

Do Sudão, muitos homens partiram. Uns foram para a guerra e morreram. Outros emigraram. As mulheres ficaram e tornaram-se mais fortes, apesar de tantas castrações.

 

Em dezembro, o aumento do preço do pão levou as pessoas à rua. A luta evoluiu. A contestação cresceu e Omar al-Bashir, no poder há 30 anos, caiu.

As mulheres, há quem as chame de “guerreiras” têm dado um forte contributo para a mudança do regime. Agora o Conselho Militar governa o país. Mas elas e também eles vigiam.

 

 

 

 

 

 

Senhor Presidente: quero medalhas para os pilotos dos F16

AS MINHAS PESSOAS

 

Corria o dia de São Martinho, sem sol, igual ao anterior àquele em que o Santo dividiu a capa com o Mendigo. Um dia de São Martinho que foi assolado por chuva e ventania.

Até podíamos dizer que estava um dia de recolher as espécies e lançar a Arca ao mar. Com o céu a entornar água sem fim, o magusto foi transferido do campo para dentro de casa.

As notícias acompanhavam o estalar das castanhas e o escorrer da água-pé. Alguém começou a dar atenção às informações. Pediu um pouco de silêncio: “Escutem! Passa-se algo no nosso espaço aéreo. Há um avião em perigo! Esperem, parece que vai amarar no Tejo. Não, agora começou a ser escoltado por dois caças da Força Aérea que vão tentar fazê-lo aterrar em segurança”.

Estava tudo bem. Deixámos a televisão e voltámos às castanhas e a tudo o mais. Quando as notícias se impuseram outra vez, a aterragem tinha sido um êxito, mesmo que à terceira tentativa. Os pilotos dos F16 conduziram o avião com mestria, saudaram os tripulantes do Astana. Inverteram o voo e voltaram à sua Base.

Eficiência total no desempenho da missão. Dois dias depois, aqueles dois homens falaram para um canal de televisão. Atenciosos, com sorrisos no rosto e, obviamente, felizes contaram o que fizeram.

Então e agora Sr. Presidente? Esteve atento? É verdade, tem tantas solicitações. Mas com todos os olhos aí do Palácio, está bem informado os pilotos da Força Aérea não vão ser esquecidos. Quero medalhas para aqueles que levaram o avião desorientado até uma aterragem milagrosa.

F16 - Base Aérea Montereal
Imagem: Base Aérea Monte Real

 

Migrantes atirados para caldeirão fervente

Argélia, um país solidário em tempos idos. Foi lá que muitos portugueses encontraram abrigo quando em Portugal havia escuro. Também era de lá que chegavam notícias, ouvidas em surdina, sobre a vida em Portugal.

argélia pessoas no deserto - rtp
Imagens: RTP (pessoas abandonadas no deserto)

vídeo da notícia (Euronews)

Hoje, os que pedem passagem, somente passagem, são colocados no deserto, aonde militares os empurram por 15 quilómetros, lá bem para o interior, onde as temperaturas rondam os 50 graus centígrados. As pessoas são assim atiradas e deixadas sem água e sem mantimentos.

Os países da União Europeia fazem pressão sobre os países do norte de África. Não querem que eles deixem passar migrantes. Mas como se pode ser tão permeável à pressão ao ponto de se fazer isto a seres humanos.  Atirá-los, assim, para a morte.

Os migrantes fogem dos seus países de ambientes de guerra e de miséria, onde pessoas sem escrúpulos se aproveitam deles roubando-lhes bens materiais e a dignidade. Eles sujeitam-se à desumanidade na esperança de que, mais à frente, exista também para eles uma vida melhor.

O Mundo sabe? Claro que sabe e deixa a barbárie acontecer. Não é uma coisa mentirosa de redes sociais. São os meios de comunicação social sérios (ainda existem) a atirarem-nos à cara imagens de pessoas largadas e empurradas deserto adentro. Lá para longe de onde muitas não conseguem regressar. Ficam por lá as suas vidas perdidas.

Quem as coloca naquele caldeirão quente, apregoa que é para elas retrocederem rumo às suas origens. Que pessoas são estas que governam este Mundo?

argélia mapa 2 google
Imagem: Google (querem que eles sejam barreira)

 

 

Golias está a ganhar vezes sem conta

Disseram que ele não vinha? Ora vejam como vai hoje o nosso país. Que parece estar assombrado.

Não consigo dizer de onde vem esta assombração. As hipóteses têm vindo a ser lançadas. Qual delas a pior. Incúria de alguns. Demência de outros. Ganância de muitos.

Mais uma vez, lá se foram vidas de seres humanos. Outra vez tantos bens foram perdidos. Novamente os Bombeiros e muitas outras pessoas lutam contra o fogo num exercício de David contra Golias. E Golias está a ganhar vezes sem conta.

Não nos chegava Pedrógão? Tinha de se lhes acrescentar Coimbra, Castelo Branco, Guarda, Viseu…  Até agora já estão somadas mais 36 vidas roubadas.

O nosso clima que tanto encanta cá dentro e lá fora, mostra ao mundo que o reverso da medalha é terrível.

O fogo tem cercado pessoas e tem levado tantas vidas. Até os mais inocentes não têm sido poupados.

Oxalá o inverno chegue depressa. Mas que venha com conta, peso e medida.

bombeiros imagem RTP

Foto: RTP.

Marguerite Yourcenar – a minha escritora favorita de sempre

Não sei se vou conseguir expressar quanto gosto desta escritora. Quanto gosto dos seus livros. Não sei de muitas pessoas que gostem de Marguerite Yourcenar. Mas sei que Marguerite Yourcenar teve muito êxito na sua vida literária e na sua vida académica. Sei que foi, em 1981, tornada membro da Academia Francesa e que passou a ser a primeira mulher com esse privilégio.

Não sei como qualificar a sua escrita, mas uma resposta que ouvi uma vez na Feira do Livro de Lisboa, de uma responsável de uma editora a uma cliente, sobre um dado livro, ajuda-me a saber o que a sua escrita não é. Dizia aquela senhora da editora “lê-se bem …” não gostei nada da expressão. Se queria dizer o que eu entendi “que era um livro simples” então a obra de Marguerite Yourcenar, para meu consolo, não se lê bem. A escrita de Marguerite Yourcenar é forte, densa, rica.

Durante muito tempo, a minha senha de acesso aos serviços on-line era Memórias de Adriano. Era o meu livro favorito, era uma senha que eu não esqueceria. Já li muitos outros livros e gostei muito de uma grande parte deles. De alguns desses livros não gostei, mas li-os até ao fim (já vai longe essa questão de princípio). De Marguerite Yourcenar, então, não deixei mesmo nada para trás. Não deixei para trás nada da sua obra a que tive acesso.

Hoje, por um motivo que nem faz sentido, pensei em Marguerite Yourcenar. Hoje pensei “vou ler, novamente, Memórias de Adriano”. Olhei para a minha estante e não o encontrei lá. Não encontrei lá o meu livro. Também não encontrei a Obra ao Negro. Também não encontrei Arquivos do Norte. Também não encontrei Alexis. Então conclui que há mais gente a gostar de Marguerite Yourcenar.

Mas ainda lá está, na minha estante, De Olhos Abertos, que é uma obra essencial para quem queira saber mais um pouco sobre Marguerite Yourcenar. Para quem goste de saber quem foi esta escritora. Como era o seu pensamento. Como ela via a vida. Como ela se via a si própria. Como ela via o Mundo do seu tempo. Como ela via as pessoas de todos os tempos.

De Olhos Abertos, para contemplar o Mundo (assim disse o seu entrevistador) resulta de uma entrevista que a escritora concedeu ao crítico literário Matthieu Galey. Eu não comecei por este livro, mas agora, nesta nova ronda pela obra de Marguerite Yourcenar, vou começar por este e já sei que não me vou arrepender (também não tenho, por enquanto, outros). A cada pergunta que lhe foi colocada ela respondeu de forma esplendorosa (não encontro palavra melhor).

É verdade que Marguerite Yourcenar já viveu há algum tempo. Nasceu em 1903 e morreu em 1987. Mas vale sempre a pena voltar aos seus livros. Os seus livros não têm tempo.

Deixo aqui uma pequena citação de De Olhos Abertos, Mtthieu Galey perguntou a Marguerite Yourcenar “Como faz para arranjar amigos?” ela respondeu citando uma frase de Montherlant, que ela fez sua “alguém se admira por uma rapariga não ter dado nome ao gato e pergunta-lhe. Como faz para o chamar? E ela responde – não chamo, ele vem quando quer”. Bela resposta, não acham?

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Foto: Desobrigado (capa do livro De Olhos Abertos).

Senhor Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa

Estava a ser tudo ligeiro, os dias do Senhor Presidente eram light. Falava pelos cotovelos à comunicação social. Não se retraia. As selfies estavam sempre disponíveis. O senhor Presidente vivia feliz e nós, os portugueses, estávamos felizes com ele.

Claro que estava a cumprir as suas funções constitucionais. A nós, aos portugueses, fazia-nos falta um Presidente assim.

Mas não há bem que sempre dure. O Senhor Presidente da República sofreu com os que sofreram nos incêndios de Pedrógão Grande. A tragédia foi imensa. Os portugueses de lá, de Pedrógão Grande, sofreram grandes perdas de vidas e de bens.

O Senhor Presidente esteve lá, voltou e voltou. Os seus olhos encheram-se de lágrimas, de certeza que chorou com aquela gente.

O Senhor Presidente, que já era outro por causa de Pedrógão Grande, continuou a mudar à medida que se embrenhava mais no país real. No país onde se roubam armas de guerra dos paióis militares, que estavam à guarda de homens de que o senhor Presidente da República é o Chefe Supremo. Este acontecimento deve tê-lo feito passar da tristeza à raiva.

O Senhor Presidente já não é o mesmo que andava sorridente nas ruas e respondia a todos os banhos de multidão. Mas aquele Presidente da República faz falta a este País. Volte Senhor Presidente.

presidente em pedrógão

Foto: Paulo Cunha (Lusa).

Pessoas, pessoas e mais pessoas – Miguel Vieira o seu nome a sua marca

Vou manter aqui, aqui neste meu sítio, uma rubrica que designo “as minhas pessoas”. São as minhas pessoas porque gosto delas. Essas pessoas conheço-as dos meios de comunicação social, dos livros, do cinema, do futebol, da política, de estarem ao meu lado.

Vou escrever sobre pessoas das quais gosto. Vou escrever sobre pessoas que conseguem fazer parte de um grupo de portugueses de excelência. Vou escrever sobre pessoas que subiram muitos degraus de uma escadaria alta, que chegaram ao topo sem empurrões de maior. Vou escrever sobre as  minhas pessoas que não chegaram a qualquer topo, mas que são mesmo as minhas pessoas.

Vou começar pela moda. Vou começar pela moda portuguesa. Ou melhor, vou começar por um designer de moda (quase podia dizer da moda, mas dito assim parece que não gosto dele). Não é verdade que não gosto. É verdade que gosto mesmo. Gosto mesmo de Miguel Vieira.

Gosto da sua elegância e da elegância que incorpora nas suas roupas. Gosto do corte de mestre que descubro em cada uma das suas peças. Gosto dos seus tecidos. Gosto das suas cores, dos vermelhos e outros tons fortes que pontuam e se entrelaçam nas cores lisas que predominam.

Gosto das sua roupas em geral, mas gosto principalmente das roupas de homem. Gosto como ele gosta de vestir os homens. Também gosto dos seus sapatos.

Até gosto da palavra preferida de Miguel Vieira “abraços” (acabo de ler na Vogue de agosto, pena o artigo ser tão maçador).

É verdade que eu não sei se o Miguel Vieira subiu muitos degraus para chegar ao topo. Talvez ele tenha estado lá sempre.

Miguel_Vieira, wipédia

Foto: Wikipédia (Miguel Vieira).

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